sexta-feira, 25 de maio de 2007

A Origem da Feijoada Brasileira



A história da feijoada é cheia de teorias diferentes. A mais romântica e difundida é de que teria sido inventada pelos escravos africanos ao misturarem as sobras das carnes dos senhores de engenhos no feijão. A outra é de que seria uma versão brasileira dos pratos tradicionais europeus. Existe ainda a terceira teoria de que teria nascido de uma receita criada em um restaurante no centro do Rio, portanto carioca. O debate é amplo e válido. Afinal, qual será a verdadeira origem do prato popular mais conhecido do Brasil? A resposta é simples: todas são verdadeiras. Mas ainda falta a quarta parte desta história, quase nunca mencionada, da participação dos índios.

Quando descobriram o Brasil, os cronistas portugueses da época escreveram que no Novo Mundo a alimentação dos índios era composta de feijões e favas. E os feijões eram pretos, diferentes do que se conhecia do resto do planeta. A farinha da mandioca e a pimenta malagueta, como o milho, são citadas e eram comuns entre os nativos mas ainda desconhecidas pelos europeus. Só depois foram levadas à África. Um ponto para os índios.

Nas referências históricas sobre o cardápio dos escravos, constatamos a presença do angu de fubá de milho, da farinha de mandioca, além do feijão temperado com sal e gordura, servido muito ralo, a ocasional aparição de algum pedaço de carne de vaca ou porco e punhados de farinha de mandioca. Alguma laranja colhida do pé complementava o resto, o que evitava o escorbuto, doença causada pela falta de vitamina C no corpo. Outro ponto para os escravos.

No entanto, é importante creditar as origens da feijoada a partir de influências européias. A mistura de feijões com carnes não era comum aos africanos e, sim, aos europeus. São históricas as receitas portuguesas que misturam lingüiças, orelhas e pé de porco ao feijão de vários tipos - menos feijão preto (de origem americana). Outros dizem que tem influência francesa no prato conhecido como o cassoulet que também leva feijão e carnes em seu preparo. Ponto aos europeus.

Já a primeira feijoada completa acompanhada de arroz branco, laranja fatiada, couve refogada e farofa - a combinação que conhecemos hoje - foi criada e ganhou notoriedade no restaurante carioca G. Lobo, que funcionava na Rua General Câmara, 135, no centro da cidade do Rio de Janeiro. O estabelecimento, fundado no final do século XIX, desapareceu em 1905, com as obras de alargamento da Rua Uruguaiana. Ponto para o Rio de Janeiro.

Portanto, como a cultura brasileira a feijoada é o resultado do encontro e da mistura de diferentes povos. Se estudarmos a origem de todos os ingredientes que compõem a feijoada, teremos a resposta à verdadeira história do prato. A receita tradicional inclui feijão preto, arroz, as carnes, farofa, laranja, couve, alho, cebola, louro e - importante não esquecer – da pimenta e da batidinha, composta de cachaça, açúcar e limão.

Bom apetite.

sexta-feira, 4 de maio de 2007

Pimenta que reina o mundo

fotos Roderick Lockwood



Pimenta branca, preta, rosa e verde, pimenta da Jamaica,
pimenta Szechuan, noz moscada, gengibre, malagueta seca,
estrela de anis, sementes de coentro, cardamomo e macis.



Cozinhar é a arte de temperar e a pimenta do reino é um dos temperos mais importantes do planeta junto com o sal, coentro em grão, cominho, chicória, gengibre, vinagre e laticínios. A pimenta era a especiaria mais cara e, ainda hoje, é a mais negociada. Carrega uma história incrível, de grandes conquistas e batalhas.


Pimenta do reino no cacho: as verdes vão
se tornar a pimenta preta e as vermelhas
vão se tornar a pimenta branca.



Roderick Lockwood trabalha em commodities há 20 anos e chegou a comercializar 10 mil toneladas por ano:

— Eu negociava pimenta do reino no Brasil, Indonésia, Malásia, Índia, China, Sri Lanka e Vietnã, maior exportador de longe no mundo atualmente. Só em países quentes já que a pimenta precisa de um clima tropical e muita água. A pimenta preta se faz retirando os cachos ainda verdes. Depois são secas por três dias em frente às casas de pequenos produtores. Eles fazem uma limpeza inicial e vendem o produto para outro pequeno coletor, que limpa o produto novamente e o revende para um coletor maior. Assim por diante, até chegar ao exportador que faz a limpeza final, ensaca o produto e faz a exportação. O produto pode passar por cinco ou seis coletores até chegar ao exportador.




No Vietnã, a colheita é feita por pequenos produtores.




O trabalho da colheita é sempre manual.


Para fazer pimenta branca ­— Roderick explica ­— deve-se esperar os cachos amadurecerem antes da colheita. Em seguida, as frutinhas são colocadas em água por alguns dias até soltarem a pele. A pimenta branca é o caroço da fruta. Antes usavam os rios, mas isso se tornou um problema por causa da grande quantidade de gado que bebia a margem da água. Hoje, fazem pequenos poços ou tanques, onde colocam a fruta à espera da casca apodrecer e se soltar.



Plantação de pimenta do reino no Vietnã.

A pimenta do reino é conhecida também como pimenta da índia, pimenta negra ou pimenta-negra do Malabar e cresce em trepadeiras altas em região de grandes florestais tropicais. Possui calorias, proteínas, minerais (cálcio, fósforo e ferro) e vitaminas (B1 e B2). Tem propriedades digestivas estimulantes ao apetite e à circulação. É boa para resfriados e diarréias mas contra indicado nas gastrites. Em Tesouro da Saúde, publicado na França, em 1607, a pimenta do reino “mantém a saúde, conforta o estômago, dissipa os gases, cura calafrios das febres intermitentes, cura também picadas de cobras e provoca abortos de fetos mortos. Quando bebida serve para tosse, mastigada com uvas passas purga o catarro além de abrir o apetite”.




A pimenta do reino cresce em grandes
trepadeiras em regiões de florestas tropicais.

A nutricionista Anna Haegler explica:

— Nos últimos anos a pimenta tem sido cada vez mais estudada e muitos estigmas estão sendo desmistificados. A substância química que dá o seu caráter ardido é exatamente aquela que possui as propriedades benéficas à saúde. No caso da pimenta-do-reino, o nome da substância é piperina. Essa substancia tem efeito antiinflamatório, antioxidante e capacidade de liberar endorfina. As endorfinas - analgésicos naturais que o nosso cérebro fabrica - é liberada a partir do seguinte mecanismo: é ingerido um alimento apimentado. A piperina ativa receptores sensíveis na língua e na boca. Esses receptores transmitem ao cérebro uma mensagem primitiva e genérica de que a boca estaria pegando fogo. Tal informação gera, imediatamente, uma resposta do cérebro no sentido de salvá-la desse fogo. Começa a saliva, a face transpira e o nariz fica úmido, tudo isso no intuito de refrescá-la. Embora a pimenta não tenha provocado nenhum dano físico real, seu cérebro, enganado pela informação que sua boca estava pegando fogo, inicia de pronto a fabricação de endorfinas, que permanecem um bom tempo no seu organismo, provocando uma sensação de bem-estar, uma euforia, um tipo de barato, um estado alterado de consciência muito agradável, causado pelo verdadeiro banho de morfina interna do cérebro. Quanto mais ardida a pimenta, mais endorfina é produzida!





Vietnamita penerando a pimenta ainda verde para retirar os
talos antes de espalhar para secar ao sol.






Depois de colhida, a pimenta seca em frente das casas de
pequenos produtores.





A história da Humanidade se confunde com a da pimenta

Antigamente, a palavra “especiaria” não designava nenhum tempero utilizado na culinária. Era uma palavra para produtos exóticos vindos de longe. Muitos destes produtos não tinham uma função culinária e sim terapêutica. Podiam ser usados por cozinheiros, mas, principalmente, eram usados por médicos. Daí a expressão: “É melhor ser cliente da quitanda do que da farmácia.” Os franceses, só no século 18, conceituaram a palavra “especiaria” e ela passou a definir tudo o que tempera a comida.

Toda a História se confunde com a busca dessas especiarias. O uso de pimenta encarecia o prato. Era sinônimo de riqueza porque não existiam geladeiras e era necessário conservar os alimentos. Um dos mais poderosos conservantes era composto de uma mistura de sal, vinagre, grãos de cominho, coentro e pimenta. A pimenta também protegia os pães do bolor. Até o vinho era perfumado com ervas do mediterrâneo e com pimenta. Sua grande durabilidade, resistência a mofos e pragas nos longos tempos de estocagem tornaram possível e próspero seu comércio. Suportava por meses e até anos as travessias por mar ou terra sem perder qualidades aromáticas e medicinais.

Roderick confirma:

— Recentemente, comi uma pimenta do reino retirado de um navio que afundou, em 1750, na costa da Suécia. Eu provei e o sabor estava perfeito.

­A pimenta aparece na cozinha de civilizações antigas: egípcia, indiana e árabe. Depois chegou à cozinha mediterrânea. Alexandre o Grande, rei da Macedônia, nomeou um dos seus portos mais importantes de Porta da Pimenta. Mais tarde, na idade média, a pimenta foi constante nas dietas chegando a fazer parte de 60% a 70% das receitas.

Os espanhóis e portugueses acabaram por descobrir as Américas atrás de rotas mais curtas até às índias, onde eram plantadas as especiarias. Parte do pagamento aos marinheiros era feita através de toneladas em pimenta. Se voltassem vivos - pois quase a metade que ia não retornava – garantiriam uma vida abastada. Servia como moeda de troca, dotes, heranças, dívidas e acordos. Curiosamente, ao final, o balanço geral das grandes navegações foi negativo apesar do alto valor comercial da pimenta. Joaquim Pedro de Oliveira Martins, em História de Portugal, de 1882, escreveu que era mau negócio “tal a montanha de gastos com construção e manutenção de fortalezas e navio, pagamento dos soldos e armamentos, perdas humanas e de mercadorias nos naufrágios, saques e combates”.

As Importações

A pimenta sempre dominou o mercado de importações. O consumo da Europa como um todo aumentou cerca de 50% durante o século 15 e 27% no século 16. A importação de outras especiarias cresceu cerca de 180% no século 15 e cerca de 500% entre 1500 e 1620.
A média anual de pimentas levadas à Europa pelos navios portugueses foi de cerca de 370 toneladas no século 16. O preço da pimenta negra, antes da chegada dos portugueses à Calicute, era assim estipulado: um quintal correspondia a 60 quilos e equivalia, na Europa, a 35 ducados – bom dinheiro cerca de 120g de ouro (num tempo em que o metal valia muito mais do que hoje).
No século 17, a concorrência entre ingleses e holandeses acarretou uma baixa nos preços e uma lenta ampliação do mercado de pimenta. No fim do século 18, depois que os contrabandistas americanos minaram o monopólio das companhias inglesa e holandesa das índias orientais, o consumo cresceu rapidamente.

Atualmente, são importadas 235 mil toneladas de pimenta por ano. O preço da pimenta triplicou (300%) nos últimos quatro anos. Hoje, é de R$8 mil a tonelada da pimenta preta e R$11 mil a tonelada da pimenta branca. É um próspero mas arriscado mercado.

Roderick conclui:

­— A União Européia está agora aplicando o teste contra o fungo Aspergillus que se forma, principalmente, em gengibre e noz moscada, mas também em cereais, frutos secos e tudo que seca em contato com a terra. O que acontece é que a água vai secando e o fungo fica estressado e libera a aflatoxina como secreção. Ninguém consegue tirar a aflatoxina do alimento que vai direto ao fígado de forma acumulativa provocando câncer. É comum em gengibre, noz moscada, amendoim, pimenta do reino e chili. Quando é detectada, todo o carregamento vai para o lixo.